domingo, 17 de outubro de 2010

~ Visitantes Permanentes

Aquelas presenças estranhas já haviam se tornado familiares para a garota. No começo, ela tentou exorcizá-los, mante-los longe protegendo a si e a sua casa, mas nada parecia surtir um efeito muito concreto. Quando ela já estava esgotada eles iam embora e ela seguia com sua vida, quase acreditando que era como qualquer outra da sua idade. Vã ilusão. Eles voltavam, e voltavam renovados, cheios de novidades que jogava descuidadamente sobre ela.

E ela era só uma humana. Ok, ela não era uma humana comum, mas não tinha superpoderes nem nada do gênero, só uma sensibilidade maior para as coisas que estão perambulando entre o inferno e o céu. Às vezes, ela até gostava daquilo, porque, digamos que sua sensibilidade era um tanto quanto mais abrangente e, se pudesse escolher, ela era hipócrita dizendo que deixaria tudo de lado.

Tudo aquilo tinha uma série de contras, mas ela adorava os prós! Talvez por isso, aprendeu a conviver com seus inquilinos, já não se incomodava d dividir um quarto e uma sala, desde que eles mantivessem o mínimo de discrição quando havia gente tangível por ali. Sendo bem sincera, ela até que gostava daquelas companhias estranhas; havia desistido de exorcizá-los, mas nunca venderia sua alma, principalmente agora que sabia que não eram só os demônios que estavam interessados nesse tipo de negócio.

Vil essa dor que ninguém vê
Anil era a cor que mudou de acordo com o que você sentiu.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

~ Old Town [Parte 01]

A mulher acordou com um sobressalto. Seu cabelo escuro e ondulado estava grudado ao seu colo, podia sentir o suor escorrendo por dentro de sua blusa. A claridade ali era insuportável, mas que raios de lugar fora aquele em que ela havia se enfiado na noite anterior? Precisou piscar um par de vezes para que seus olhos se adaptassem à claridade exacerbada que entrava pela janela. Janela, porta, paredes... tudo ali parecia destruído, o reboco aos pedaços em alguns pontos do cômodo, janela e porta corroídas pelo cupim. Mexeu-se na cama para completar o breve exame do ambiente, seus olhos bem treinados logo lhe apontaram que a única saída daquele lugar era a porta e a janela que ficavam bem em frente à sua cama.

Por instinto, levou a mão à coxa. O contato com o frio do metal lhe tranquilizou, a milícia não lhe deixaria armada, eram um bando de idiotas, mas longe de serem estúpidos. Verificou o tambor: seis balas; mais uma dúzia delas no coldre, não era o ideal para um confronto direto, mas o suficiente pra tentar fugir de onde quer que fosse. Balançou a cabeça como se aquele mero gesto fosse afastar o pensamento, funcionou. Sua mente ocupava-se agora em lembrar da noite anterior. Tinha bebido tanto assim?

- Mierda. Sempre que estava irritada, a mulher usava o idioma de sua terra natal. Um branco total, não lembrava de absolutamente nada do que tinha feito na noite anterior; lembrava-se de ter alimentado seus cachorros pela manhã, de ter chegado as seis e meia da manhã no quartel, de lidar com as gracinhas dos novos recrutas e de ter controlado ao máximo seus impulsos para não trepar com o tenente Sales dentro do quartel. Mas dali em diante, suas lembranças estavam imersa em escuridão.

Levantou-se da cama e percebeu que estava de botas, por mais bêbada que estivesse, ela odiava dormir calçada. - Mas que porra? - Pensou enquanto juntava as madeixas em um coque, ao menos, a sensação desconfortável melhoraria, embora o mormaço fosse infernal. Dirigiu-se a janela, procurando primeiro escutar. Nada, silêncio total, exceto um assobio distante provocado pelo vento. Empunhou a arma e destravou, abriu a janela devagar e teve que se segurar ao parapeito para não cambalear com a cena que seus olhos contemplaram.